quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

MEUS OLHOS TÊM QUATRO PATAS

Cães-guias oferecem segurança e liberdade às pessoas com deficiências visuais

Companheiro, centrado e amigo, essas são as características do animal que é treinado para ser os olhos do deficiente visual. Porém, ser contemplado com um cão é privilégio de poucos. De acordo com o Instituto Iris, entidade filantrópica responsável pela distribuição de 30% dos cães-guias no Brasil, há 12.000 cegos cadastrados à espera de um guia, e o número de cães guiando no país é de apenas 71. A falta de centros de treinamentos para os cães no Brasil é o principal motivo que inviabiliza a maior distribuição de animais para quem espera. Com o objetivo de mudar essa realidade surgem as instituições filantrópicas que trabalham com os cães-guias. Através de uma parceria - que já duram 10 anos - com a escola americana Leader Dogs, que há 80 anos treina cães-guias, o Instituto Iris já ofereceu 24 animais preparados para guiar em nosso país. Segundo o Presidente do Instituto Iris, Marcelo Panico, a maior dificuldade para tornar os guias acessíveis é falta de verba, um cão custa aproximadamente R$30.000, há também a escassez de treinadores qualificados, “No Brasil eu tenho conhecimento que tenham apenas 4 instrutores de cães-guias. Cada instrutor não consegue treinar mais de 5 cães por vez, então se a gente for pelo máximo: 4 treinadores, vezes 5 cães, nós treinaríamos em 2 anos, cerca de 20 cães. Então a conta começa a ficar difícil e o resultado é demorado”, afirma Panico.

O trabalho com o cão-guia é algo extremamente minucioso. O treinamento, com duração média de 2 anos, deve ser feito por instrutores capacitados, esses profissionais atuam de forma diferente do adestrador do cão. O adestrador é aquele que ensina comportamento ao cão. O instrutor tem o entendimento da guia para o deficiente visual e por isso ele entende muito dessa deficiência, da dificuldade que a pessoa cega tem e de como o cão pode ajudá-lo, e isso faz toda diferença no treinamento. Há também o cuidado em entregar um cão compatível com quem irá recebê-lo, os cadastros das pessoas que esperam por um cão-guia é muito detalhado, com entrevistas, filmagens, relatos, para que a compatibilidade aconteça. No Instituto Iris esse material é enviado para os EUA para que lá eles encontrem o cão mais próximo e apto à cada pessoa. Com a verificação dessas informações a escola pode associar, o mais próximo possível, o cão ao cego. São avaliados, por exemplo, o tamanho da pessoa, forma de caminhar, comportamento no ambiente de trabalho e em casa, ritmo ao andar, há que ande rápido então, requisita cães que andam rápido, pessoas que andam mais devagar, precisam de cães que andam no mesmo ritmo, quem trabalha em escritórios requisita de cães que estejam acostumados a ficar nesse ambiente, ao passo que outras pessoas que preferem andar nas ruas, em parques, então requisitam de cães que tenham esse tipo de temperamento. E assim é feita a compatibilidade.

Treinamento começa no primeiro dia de vida 
Para garantir uma ninhada com bons cães-guias, são separados os sêmens dos animais que tiverem excelência na guia. Uma seleção é feita entre os cães recém-nascidos, no primeiro dia de vida é colocado um despertador próximo aos bichinhos, o cão que se assustar ou procurar pelo barulho é descartado do treinamento, com a justificativa de que o guia precisa ser centrado e não pode dispersar em locais barulhentos. Após o 3º mês de vida a escola envia os cães para famílias socializadoras, esses voluntários deverão treinar o cão por um ano e meio, aproximadamente, para socializar o cão, apresentando a ele os locais que futuramente frequentará, como por exemplo; shoppings, cinemas, ônibus, metrô. Essa família ensinará bons modos ao cachorro além de escolher o nome do cãozinho. Em seguida o animal é devolvido à escola e passará por um treinamento intensivo durante dois anos, nesse período ele será preparado para atender as pessoas portadoras de necessidades visuais. O ultimo estágio do treinamento é quando o futuro dono conhece seu cão-guia. Os deficientes visuais escolhidos pelo Instituto Iris são enviados para a escola parceira da instituição nos EUA. Por 3 semanas o cão e o contemplado treinarão juntos. Acomodação, viagem e cão são custeados pela escola, a pessoa cega escolhida para ter um cão-guia não tem nenhuma despesa. O cão é doado e será exigida apenas a manutenção do animal, que é a compra de rações e vacinas. O Instituto acompanha, pelo menos uma vez por ano, para avaliar se o cão está sendo bem tratado, acompanhado por um médico veterinário, e é requisitado um laudo médico que é traduzido para a língua inglesa. Esse procedimento é exigido para que, se caso um cão adoecer, seja identificado e tratado a doença para evitar que outros cães iguais adoeçam também. Há situações em que o cão pode perder a noção de guiar, e aí é necessário um novo treinamento intensivo com o cão e a pessoa, pode acontecer também de chegar ao extremo do cão se aposentar, principalmente quando fica idoso, então o deficiente que teve esse cão guia tem uma certa prerrogativa para ter o próximo, pois a sua vida está condicionada a isso. 

Segurança ao caminhar
 Diferentemente da bengala, que exige ao cego a identificação de obstáculos através do toque, o cão-guia é quem identifica o perigo. O único trabalho do guiado é saber onde precisa chegar e passar os comandos curtos ao animal como, esquerda, direita, segue, ache a escada rolante, ache o elevador, entre outros. A Revisora de Braile, Andrea Queiroz, 33, recebeu há um mês seu primeiro cão-guia, mas o processo não foi fácil. Durante 3 anos diferentes empecilhos dificultaram ainda mais a entrega do animal à Andrea. O primeiro cão que foi selecionado para ser o guia faleceu ainda na primeira etapa do treinamento, a família socializadora do segundo se apegou ao animal e não quis devolvê-lo e só então, no terceiro animal, a revisora pôde concretizar o seu objetivo. O Cão que atende como Boy ofereceu a liberdade que Andrea tanto esperava, mesmo ela sabendo que quem está no comando ainda é ela: “Ele vai te deixar lá, você tem que saber onde você quer ir”, afirma Andrea.

O Presidente do Instituto Iris, Marcelo Panico, também é usuário de cão-guia. Há 7 anos o labrador preto Harley trouxe a ele novas possibilidades de inclusão social e maior liberdade. “O cão torna o caminhar muito mais gostoso, você não bate em nada, você não se preocupa naquele stress de perigo, porque o cão está desviando de tudo, você vai andando como outra pessoa normal que enxerga”, conta Panico. Marcelo também acredita que o principal fator que o Harley lhe trouxe foi a inclusão social, “com o cão-guia não é a cegueira que chega na frente, é o cachorro. Então as pessoas brincam, conversam, perguntam o nome, tem uma aproximação, e aí ela tendo essa aproximação ela vai perceber que o cego fala, que ele trabalha, que ele estuda, que ele é uma pessoa igual a ela, só que tem uma limitação visual. A cegueira, com o cão-guia, chega em quinto lugar. Primeiro é o cachorro, segundo é o cachorro, terceiro é o cachorro, quarto é você, e daí, por ultimo eles vão lembrar que a pessoa é cega”,conclui Marcelo.

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